143 dias internada no Hospital
Independência de Porto Alegre, a maior parte do tempo na UTI, em
função de uma complicação respiratória, muito grave. Nilva de Wallau Medina, 77
anos, viúva, mãe de três filhos. Aposentada
e pensionista do INSS. Renda mensal: um salário mínimo e meio.
Depois de fumar durante 40 anos, minha mãe desenvolveu um
enfisema pulmonar. Tornou-se ex-fumante há cinco anos, depois de ser internada,
também em estado grave, no Hospital de Pronto Socorro de Canoas, onde foi
entubada pela primeira vez, em sua vida.
Eram 21 horas e trinta minutos quando a mãe me chamou, sacudindo
a guarda de sua cama automática. Ela esta com uma traqueostomia. Botei uma luva
descartável e tapei a cânula metálica, afixada em sua traqueia. Ela, sussurrando,
falou: “- Aroldo. Eu quero sentar na poltrona. Não aguento mais ficar deitada”.
Empolgado com a rara disposição espontânea da mãe em sentar, posição que lhe
faz muito bem à saúde, acionei a campainha do quarto 106. A resposta do posto
de enfermagem foi rápida. Menos de um minuto, a técnica entrou no quarto.
Inteirada do motivo do chamado pediu ajuda a duas outras colegas, para realizar
a transferência da mãe, da cama para a poltrona.
Tudo ia bem até que uma das técnicas levantou uma dúvida
sobre a hora da solicitação. Era noite. O costume é sentar o paciente durante o
dia. O procedimento foi interrompido. Fiquei incomodado com a situação. O
arbítrio da enfermeira, chefe do plantão, foi solicitado para dirimir o impasse.
Enquanto aguardava a vinda da enfermeira, com a TV ligada na
novela “Amor à Vida”, eu olhei para meu notebook, descansando numa cadeira do
quarto. Decidi então transformar meus pensamentos, num trabalho escrito.
Passei a refletir sobre a condição de uma pessoa presa a uma
cama. Não por preguiça, mas porque a saúde não permite ao esqueleto e aos
músculos erguerem o próprio corpo, por falta de força. Elenquei inúmeras
considerações em minha cabeça que tornariam este artigo bem mais longo e, por
consequência, mais difícil de ser lido. Andamos com pressa demais para tudo. Lembrei,
por exemplo, o padecimento causado pelas indefectíveis úlceras de pressão,
também conhecidas como escaras que causam muitas dores nas pessoas. Minha mãe
tem três. Uma na região sacra, bem expressiva. A morfina tem aliviado sua dor.
Mas tudo que eu pudesse lembrar e escrever aqui para
descrever o desafio de uma pessoa acamada por longo período, certamente, não
representaria 1% do sofrimento que um ser humano deve sentir quando depende
100% dos outros para as tarefas mais simples e primárias do nosso dia a dia.
Levantar, ir ao banheiro, se lavar, fazer suas necessidades
fisiológicas, comer, sentar se tornam tarefas de difícil acesso. Talvez tudo isso seja uma grande oportunidade
que Deus nos dá, para demonstrar nossa compaixão e boa vontade para auxiliar o
próximo.
A enfermeira, gentil e atenciosa, entrou no quarto,
desculpou-se pela demora e explicou que estava acompanhando a transferência de
um dos seus pacientes, do quarto para a UTI. Minha mãe mesmo, já esteve no
quarto e voltou para UTI, três vezes, em sua estada no exemplar Independência
que continuo atribuindo nota 10 para este hospital 100% SUS.
A enfermeira, com nome angelical, esclareceu a precaução de suas
técnicas, em manusearem seus pacientes com autorização da chefia, como uma
medida de proteção e, disse ter preferência, sempre que possível, do paciente
ser manuseado, com acompanhamento de um fisioterapeuta que, normalmente, trabalha
durante o dia. Suas ponderações acalmaram meu coração. Médicos, enfermeiros e
técnicos de enfermagem, em sua grande maioria são pessoas bastante abnegadas.
Seu ofício exige paciência como vocação, entre outros importantes predicados.
Tem muito mais valor do que os salários que lhes são pagos, no Brasil, numa
jornada de trabalho, permanentemente, desafiador.
A conversa com a enfermeira foi interrompida com um novo
chamado da sua valiosa equipe. Um paciente se agitava, arrancando suas conexões
com aparelhos de sustentação da sua vida. A enfermeira pediu licença e se
retirou. Antes, porém, deixou suas técnicas orientadas a trazerem até o quarto
um pequeno guincho eletrônico, para facilitar o transporte e manuseio da
paciente.
As técnicas de enfermagem, bastante atenciosas, finalmente,
se aproximaram para executar seu trabalho, uma hora e meia após mamãe manifestar
seu desejo de se “desaprisionar” de sua cama e ir para a poltrona redentora.
Porém, minha mãe, despreocupada, adormecera. “- Dona Nilva!” Chamou a
enfermeira. Acordada, disse que preferia sentar “mais tarde”.
A vontade de ir para a poltrona havia abandonado minha
querida e amada mãe. Triste, com a evaporação da oportunidade de vê-la fora da
cama, agradeci as técnicas presentes e sugeri a mamãe que voltasse a sua jornada
de sonhos, dormindo com os anjos.
Deus e Nosso Senhor Jesus estejam no coração de todos nós que Neles temos fé e esperança.
Aroldo Medina
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