Dia chuvoso. Mate pronto, cevado a capricho, temperado com marcela e anis. Um aroma bem agradável subiu com a água quente servida na cuia. Salguei a pipoca e, com a garrafa térmica em baixo do braço fui sentar com minha mãe, na varanda da casa. O olhar dela saia pela janela, fitando a chuva que se precipitava forte.
“- Este chimarrão está muito bom, Aroldo”. “- Feito pensando em ti, só pode ter ficado bom, mãe”. Ela sorriu enquanto o “Fan” (de Fantasma) se aninhava no colo dela.
“- Mãe, tenho uma boa para te contar. Final de semana que passou fui num aniversário. Cheguei numa loja para comprar o presente da aniversariante de 2 anos. Logo que cheguei no caixa, uma senhora octogenária, fez fila atrás de mim. Como a balconista já tinha começado a embrulhar o presente, fiquei meio sem jeito com a mocinha esperando”.
A balconista que se esmerava em enfeitar o pacote comentou que a “pistola de bolhas de sabão” comprada era um bom presente, apesar de ser uma pistola. Não me contive e querendo puxar conversa com a senhora que, pacientemente, aguardava sua vez na fila, eu disse que na minha infância, brincava muito com revólveres de espoleta, metralhadoras e espingardas que disparavam dardos emborrachados ou bolinhas de plástico e, nem por isso eu havia me tornado um bandido ou sentira vontade de matar alguém depois de grande. Diante do riso da balconista e da velhinha, eu disse, com orgulho que me tornara policial militar, colhendo a aprovação das duas.
Mas ainda querendo compensar a senhora que esperava atrás de mim, enquanto a balconista terminava o pacote, meus olhos pousaram sobre uma linda boneca. Parecia uma princesa. Seu vestido era bem colorido. Não resisti. Peguei a boneca e pedi para a balconista somar na conta e embrulhar para presente. A velhinha permaneceu com a tranquilidade dos justos, estampada no seu semblante.
Terminados os pacotes paguei e recebi os embrulhos. Olhei para a senhora que me fitava gentilmente e perguntei o seu nome: “- Lucilda”. “- Dona Lucilda! Permita compensá-la pela espera”. E, lhe alcancei a boneca. Surpresa, ergueu a cabeça me olhando com carinho, disse que não podia aceitar.
Eu insisti que ela merecia e, também porque lembrava muito minha mãe, acrescentando: “E, naturalmente, porque a senhora é uma menina muito simpática e bonita”. Ela corou, aceitou a boneca e pediu para me dar um beijo e um abraço, o que me emocionou bastante, junto com todos na loja.
Já ia saindo na porta quando a menina de 80 anos me chamou de volta. “- Como eu vou explicar em casa, para o meu marido que ganhei esta boneca de um moço tão bonito como o senhor”?
Todos na loja responderam com muitos sorrisos, iguais aos que brotaram como um buquê de flores, no rosto da minha mãe.
Aroldo Medina
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