sábado, 3 de junho de 2023

Efeitos do peso dos equipamentos individuais de policiamento ostensivo na saúde do policial militar


Aroldo Medina¹

Fernanda Oliveira²

 



Resumo: O presente artigo chama a atenção dos gestores de segurança pública para os problemas de saúde causados pelo peso dos equipamentos de proteção e defesa pessoal que compõe a indumentária do policial militar, durante a execução do policiamento ostensivo. O peso carregado por esse profissional é de dez quilos, em média, ao longo do seu turno de trabalho que varia de seis a doze horas, multiplicado pelo número de anos de serviço. O artigo propõe, ainda, o desenvolvimento e implantação de um programa de tratamento fisioterapêutico das sequelas causadas por estes equipamentos sobrepostos ao corpo humano, no próprio batalhão onde trabalham os policiais ou mesmo em uma nova e moderna clínica de fisioterapia a ser instalada. O texto é oriundo de reflexões sobre as relações de trabalho policial e saúde dos policiais, proveniente de análise da vivência do autor, auxiliado pelo conhecimento técnico da autora. O estudo se baseou, também, numa pesquisa de campo realizada em uma unidade operacional da Brigada Militar, onde os problemas de saúde foram constatados por acadêmicos do Curso de Fisioterapia de uma Universidade local, após avaliarem 50 policiais militares, num universo de 220 indivíduos.

Palavras-chave: peso, equipamentos portáteis, policiamento ostensivo, sobrepeso, fisioterapia, saúde e bem-estar.

 


Estamos acostumados a observar policiais militares no serviço de policiamento ostensivo carregando uma série de equipamentos. Estes equipamentos portáteis individuais sofrem a ação da gravidade do planeta Terra que acelera todos os objetos dentro da nossa órbita, a 9,8 metros por segundo ao quadrado. O que pouca gente calcula é que colete de proteção balística, cinto de guarnição, pistola TS9, munição 9 mm, carregadores, bastão policial, algema, espargidor de gás, rádio transmissor portátil, na influência dessa gravidade pesam, em média, dez quilos e, se formos acrescentar ainda nesta lista, um fuzil T4 e sua munição 556 nato serão mais quatro quilos, totalizando 14,544 quilos (Tabela 1).

São dez quilos de equipamentos durante um turno de serviço regular que varia de seis a doze horas, dependendo da modalidade de policiamento ostensivo que pode ser à pé, à cavalo ou motorizado. E, há situações especiais em que este turno de serviço pode ser de 24 horas, como por exemplo, no emprego de tropas em operações especiais.

Outro efetivo policial militar que sofre muito as consequências da carga sobre o corpo humano no serviço de policiamento ostensivo, são os motociclistas. Além dos equipamentos anteriormente listados, temos o indispensável uso do capacete, associado à postura de pilotagem. Este capacete pesa, em média, um quilo e meio. Esse peso combinado com a postura inadequada do PM enquanto conduz a moto, gera uma série de problemas de saúde ligados principalmente ao sistema locomotor humano.

Numa conversa com a tropa quando o assunto é a ação da gravidade dos equipamentos de policiamento ostensivo sobre o corpo humano e o número de horas que eles ficam “em cima” do policial, vamos constatar que esse peso parecerá maior, na medida em que as horas forem passando. E essa sensação de maior peso não é “mola do PM”, como poderia ser dito em jargão policial. Ela é real, pois, a carga fica incidindo sobre a fibra do músculo que, sobrecarregado gera uma sensação de maior peso e, consequente dor.

O uso continuado desses equipamentos, combinado com a idade do PM, multiplicado pelo número de horas e anos de serviço, naturalmente vão afetar, indefectivelmente, o corpo físico do policial militar. E, não podemos esquecer que não são só algumas horas diárias carregando o peso dos equipamentos em questão. São anos a fio de sobrecarga (equipamentos) e sobrepeso (peso do próprio corpo).

 

Tabela 1 - Peso de equipamentos de policiamento ostensivo individual

 

Material

Peso em Kg

Quantidade

01

Algemas

0,320

01

02

Bastão policial BPE 61

0,600

01

03

Capacete

1,500

01

04

Carregador .556 nato

0,250

01

05

Carregador TS9

0,300

03

06

Cinto de guarnição

1,100

01

07

Colete balístico

3,000

01

08

Coturno

1,100

01

09

Espargidor GL 108 mini

0,150

01

10

Fuzil T4

3,400

01

11

Munição .556 nato

0,640

90

12

Munição 9 mm

0,495

52

13

Pistola TS 9

0,742

01

14

Rádio HT

0,347

01

 

 

 

 

 

Total

14,544

 

Obs. O peso dos equipamentos pode variar de acordo com a marca e o modelo.

 

A Constituição Federal em vigor determina que um policial militar trabalhe 35 anos no serviço ativo, para conquistar sua merecida reserva remunerada. Se sobreviver e chegar até lá, precisamos agir para que não chegue ao final da sua carreira, com o seu corpo doente, cheio de sequelas decorrentes do exercício da sua difícil profissão.

Quando um policial relata que o peso dos seus equipamentos parece aumentar na medida em que o seu relógio registra o passar das horas, ele já está sentindo a ação de um mecanismo silencioso de possíveis lesões em curso. E, considerando ainda a falta de exercícios físicos para reforço muscular, o sedentarismo policial militar, combinado com alimentação inadequada, causa fraqueza muscular e deixa todo sistema locomotor humano mais vulnerável a lesões.

O conjunto dessas lesões associadas ao sobrepeso que acometem policiais militares no serviço de policiamento ostensivo é grande. Entre elas registramos tendinites, hiperlordose lombar ou cervical, hipercifose torácica, escoliose, lombociatalgia, artrose, além de outros problemas de saúde. Essas lesões são consequência, reafirmamos, da combinação da carga dos equipamentos portáteis individuais de POLOST, com excesso de peso corporal que afeta a maioria dos policiais militares de serviço.

Aliás é oportuno programar uma verificação do peso dos policiais onde vamos constatar que a maioria está mesmo acima do seu peso ideal, com IMC (índice de massa corporal) alterado. Esse excesso de peso acelera e agrava a problemática de saúde ligada às articulações e outros órgãos do ser humano em estudo.

Corroborando estas assertivas é importante registrar que durante os meses de abril e maio de 2022, vivenciamos um estágio de campo ligado ao nono semestre do Curso de Fisioterapia da Faculdade Anhanguera de Porto Alegre. Este estágio supervisionado de 120 horas foi realizado no 21° Batalhão de Polícia Militar, localizado no bairro Restinga, em Porto Alegre (RS).

Nesse batalhão da Brigada Militar, um grupo de alunos do Curso de Fisioterapia desenvolveu um trabalho de avaliação física e postural dos policiais militares aplicando os Protocolos DIPA (Digital Image Based Postural Assessment), como metodologia de avaliação da coluna vertebral e FMS (Funcional Movement Screen), que avalia a qualidade do movimento e do controle motor. Os alunos constataram através destas ferramentas que a totalidade dos militares avaliados apresentou algum tipo de problema de saúde relacionado a sua coluna vertebral, musculatura e articulações.

No entanto, esse trabalho se limitou a identificar a patologia apresentada pelos policiais inscritos na referida pesquisa de campo, não oferecendo tratamento aos problemas de saúde constatados. Esta delimitação do estudo em tela, causou frustração aos PMs que manifestavam expectativa em fazer o tratamento dos seus problemas de saúde na própria unidade operacional onde serviam (grifo nosso).

Entre os policiais atendidos neste estágio realizado no 21° BPM, onde todos apresentaram algum tipo de problema tratável com fisioterapia, foi observado que 60% ignoravam o seu problema de saúde. O restante do efetivo que demonstrou conhecimento prévio sobre o diagnóstico confirmado, afirmou que tratavam regularmente suas dores no corpo, com analgésicos, piorando, sem saber, sua saúde. Foram analisados 50 policiais militares, num universo de 220 indivíduos.

Outra constatação feita durante este estudo de caso foi que muitos policiais militares adiavam o seu tratamento de saúde, mesmo sabendo que podiam estar lesionados, em função de dores sentidas pelo corpo, porque se afastando da atividade de policiamento ostensivo, seu vencimento seria menor, em função da perda de gratificações, como etapas de alimentação, por exemplo.

Também é lógico admitir que, mais cedo ou mais tarde, os soldados avaliados no estudo realizado no 21° BPM teriam que se ausentar das suas funções, para tratamento de saúde. Este afastamento onera o Estado com as despesas decorrentes e diminui, obviamente, o efetivo disponível para o policiamento ostensivo.

Por isso um programa de prevenção e tratamento focado nesta problemática de saúde é plenamente justificável em todos os sentidos. Principalmente pela promoção da saúde e bem-estar do policial militar, combinada com economia de recursos que representa, além da presumível prestação de serviço de policiamento ostensivo com melhor qualidade.

Assim observou-se a necessidade de desenvolvimento imediato de um programa focado na promoção, prevenção e tratamento fisioterapêutico de policiais militares, acometidos por problemas de saúde causados pela carga de equipamentos próprios da sua indumentária, durante a realização do policiamento ostensivo.

Outro eixo de resposta a esta problemática que poderá ser aberto, oportunamente, é com os fabricantes destes equipamentos para que pesquisem e desenvolvam produtos tipicamente de polícia mais funcionais, melhor adaptáveis e ajustáveis a anatomia do corpo humano. Neste sentido, incluímos, especialmente, coletes balísticos anatômicos e coturnos mais leves, ortopédicos e resistentes.

Aliás, quando se trata de equipamentos de proteção individual os editais de licitação da administração pública precisam priorizar a aquisição de produtos que agreguem mais tecnologia e cuidados com a saúde humana, com eficiência e eficácia comprovada para a função a que se destina, não necessariamente as mercadorias mais baratas.


Desta forma foi apresentado à Fundação Walter Peracchi de Barcellos, ligada à Brigada Militar, projeto de implantação de um programa de tratamento fisioterapêutico focado em problemas de saúde decorrentes da atividade de Polícia Militar ostensiva. Este programa foi denominado PROFISIOPM. Adotou-se como base a expertise do estudo realizado no 21° BPM.

O presidente dessa fundação, Roberto Alexandre dos Santos, aprovou a iniciativa, destacando a missão institucional e estatutária da Funperacchi em apoiar propostas de melhoria da qualidade de saúde e bem-estar físico e mental dos membros da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul. Salientou, ainda, a importância de estender o programa para outros órgãos que compõe o Sistema de Segurança Pública Brasileiro, após sua consolidação na Brigada Militar.

Na sequência, o tenente-coronel Alexander Pereira Cardozo, enquanto exercia o comando do 1° BPM, outrora comandante do 21° BPM, durante a realização do referido estágio de fisioterapia, foi convidado a desenvolver o programa em tela, visando o tratamento fisioterapêutico de tropas da Brigada Militar, baseando seu funcionamento, no quartel do 1° BPM, localizado no bairro Menino Deus, em Porto Alegre.



O tenente-coronel Alexander avalizou o projeto que foi despachado com o Comandante-Geral da BM, coronel Cláudio dos Santos Feoli, ao lado do coronel Régis Reche, Diretor de Saúde da Brigada Militar que incentivaram o desenvolvimento do PROFISIOPM (Programa de Tratamento Fisioterapêutico Policial Militar), para promoção, prevenção e tratamento de saúde em campo, preferencialmente na própria OPM onde trabalha o policial, objetivando melhorar o bem-estar dos PMs empregados no policiamento ostensivo.

O coronel Feoli asseverou, ainda, que todo comandante de unidade operacional da Brigada Militar tem o dever moral e institucional de zelar pelo bem-estar da tropa, garantindo as melhores condições de trabalho possíveis ao seu efetivo.

O coronel Régis Reche, por sua vez, destacou que o serviço de saúde militar tem se aperfeiçoado constantemente e que aprova o engajamento de quadros de saúde temporários ou mesmo complementares ao quadro orgânico da BM, para ampliar e melhorar a qualidade de atendimento fisioterapêutico, assim como em outras modalidades de atendimento à saúde.

O Comando do 1º BPM trouxe, ainda, mais duas variáveis importantes para compor a abordagem da problemática da saúde dos policiais militares, afetada pelo peso dos equipamentos em questão. O tenente-coronel Alexander entende que a geografia do terreno onde o soldado atua também interfere na tensão sobre o sistema locomotor do policial. Condições geográficas mais íngremes expõem as articulações do militar a uma probabilidade maior de lesões, como por exemplo, entorses ou mesmo contraturas musculares. O terreno acidentado aumenta sua vulnerabilidade com a carga dos equipamentos e o sobrepeso corporal do PM. O 1º BPM tem um relevo com morros e colinas, com locais mais acidentados do que o 21º BPM que atua, predominantemente, numa planície.

Nesta equação que estamos formulando sobre uma cultura organizacional de policiamento ostensivo vigente na Brigada Militar, há 20 anos, devemos lembrar ainda que o treinamento físico da tropa ficou em segundo plano, desde a introdução do direito de pagamento de horas-extras para o efetivo de serviço, previsto na Constituição de 1989 do Estado do RS, com regulamentação definida através da Lei 11.650/2001 e do Decreto nº 40.986/2001.

A carga horária estatutária de 40 horas semanais, desde então é prioritariamente consumida no policiamento ostensivo e no trabalho administrativo essencial. Hoje, fica a critério do próprio PM, fazer ou não, educação física, salvo raras exceções em que sua OPM consegue propiciar uma ginástica administrativa para oportunizar exercícios físicos, sob o comando de um instrutor, em horário de expediente regulamentar.

Como resultado da diminuição da educação física ou mesmo sua ausência nas atividades da tropa, antes regularmente praticada, de duas a três vezes por semana, levou ao enfraquecimento da musculatura dos brigadianos, tornando-a mais frágil e exposta a lesões. E, também não podemos esquecer que a falta de exercícios físicos resulta em problemas decorrentes do sedentarismo, tais como: diabete, pressão alta, colesterol elevado, estresse, depressão, síndromes e transtornos.

Outra variável apontada pelo Comandante do 1º BPM que afeta diretamente o trabalho e a saúde do policial militar é o acentuado nível de violência registrado na área de responsabilidade territorial do batalhão. Somente no ano de 2022 ocorreram 17 óbitos de indivíduos que entraram em confronto armado contra militares do 1º BPM. Fato que expõe a saúde mental destes policiais, submetendo-os a sequelas psicológicas que podem resultar destes confrontos, necessitando, portanto, tratamento.


Nas deliberações de planejamento estratégico do programa, inicialmente, optou-se por sua instalação no quartel do 1° BPM, a fim de facilitar o acesso dos PMs ao tratamento proposto, considerando o resultado de uma pesquisa online feita através de um questionário virtual Google Forms realizada entre as praças do 1° BPM, onde foi constatado que 89,6% do efetivo (Tabela 2) acharia bom para sua Corporação o tratamento de fisioterapia, se fosse realizado no próprio batalhão.

Chegou a ser selecionada uma grande sala no 1º BPM, para ser equipada com modernos aparelhos de fisioterapia, após o prédio ser devidamente reformado. No local iriam trabalhar seis fisioterapeutas atendendo em dois turnos, integrantes do 1° e 9° BPM, assim como policiais de outras unidades operacionais da BM, sediadas de Porto Alegre, inscritos no programa.

Porém, a necessidade de realizar uma reforma de grandes proporções, no prédio do 1° BPM, com duração de 12 meses, levou a Fundação Walter Peracchi de Barcellos a propor um novo local, para implantação do PROFISIOPM. Desta forma, a nova proposta é instalar uma moderna Clínica de Fisioterapia permanente, sob gestão da Funperacchi, especializada na promoção, prevenção e tratamento de sequelas decorrentes do exercício da atividade de policiamento ostensivo.

O novo local escolhido é um imóvel próprio da Brigada Militar que se encontra desocupado há mais de dez anos, na rua Sete de Setembro, n° 360, bairro Centro de Porto Alegre, situado ao lado da atual sede da Funperacchi que planeja transformar o prédio num Centro de Valorização da Vida Policial Militar (grifamos), inclusive, com a organização de atendimento psicológico e psiquiátrico, oferecendo também terapias holísticas.


O imóvel indicado para instalação da nova clínica também necessita de reformas. Porém, enquanto é reformado, a Associação dos Oficiais da Brigada Militar, presidida pelo Coronel Marcos Paulo Beck, sensível à necessidade de ativação do serviço fisioterapêutico proposto, procurado pela Fundação Walter Peracchi de Barcellos, autorizou junto com sua Diretoria, a instalação temporária do PROFISIOPM, na sede da própria AsOfBM, em espaço que será adaptado para o funcionamento do programa pioneiro.

A atual sede própria da Associação dos Oficiais da BM está localizada em frente ao Hospital da Brigada Militar de Porto Alegre. Portanto, é um local estratégico para ativação do novo serviço de fisioterapia policial militar, até que as obras sejam concluídas na rua Sete de Setembro, nº 360, Centro Histórico de Porto Alegre, onde a clínica será instalada, definitivamente, dentro de 18 meses.

O PROFISIOPM, em desenvolvimento, após a ativação da fisioterapia, também prevê a contratação de psicólogos, psiquiatras, nutricionistas, assistentes sociais e terapeutas holísticos para apoiar os policiais militares que desejarem tratamento e orientações complementares que auxiliem no seu rendimento profissional e bem-estar pessoal. Será o PROPSICOPM.

Observando o público-alvo do projeto, constata-se que a alimentação da tropa também precisa ser reprogramada, pois, uma das causas da obesidade de PMs é a nutrição inadequada, com refeições realizadas, predominantemente, em fast foods.

Dentro deste contexto, trazemos para o registro histórico que a Brigada Militar tinha refeitórios nos quartéis, até o final da década de 90, quando a alimentação era mais nutritiva. Com a extinção dos refeitórios e o pagamento de “etapas de alimentação” pelo Governo do Estado, a tropa incorporou a vantagem alimentícia ao vencimento, deixando de se alimentar adequadamente.

Digno assinalar que nos refeitórios outrora existentes nos quartéis, a tropa se reunia, diariamente, três vezes, ao redor da mesa, para tomar seu café da manhã, almoçar e jantar, em ambiente, normalmente, tranquilo. Nestes encontros, os policiais militares confraternizavam entre si, conversando sobre o trabalho e outros assuntos de interesse do grupo, criando laços de família.

A extinção dos refeitórios, lamentavelmente, também chegou às escolas de formação de oficiais e praças de Polícia Militar no RS, obrigando alunos em regime de estudo integral, a apelarem para armazenamento inadequado de comida em armários ou mesmo mochilas. Bolachinhas, biscoitos, refrigerantes e cachorro-quente substituíram refeições mais dignas, passando a ser rotina na vida dos futuros policiais em formação nestas escolas.

Importante observar que as escolas de formação policial militar no RS foram “cercadas” por vendedores ambulantes de lanches rápidos. Indispensável aqui uma conclusão óbvia: o corpo humano bem alimentado tem mais energia e, regularmente exercitado é mais forte e menos susceptível a doenças e traumas. Mal alimentados os soldados são, naturalmente, mais fracos.

Isto nos leva a propor ao Executivo Estadual e a própria Assembleia Legislativa do Estado do RS a recriar refeitórios, no mínimo, nas escolas de formação de oficiais e praças da BM, começando pela criação de um refeitório integrado, no complexo do Departamento de Ensino da Brigada Militar, em Porto Alegre, onde temos formação regular para carreira de nível médio e superior da Corporação.

Também podemos pensar em refeitórios que integrem as tropas militares estaduais, podendo incluir o atendimento a policiais civis e penais. No caso de Porto Alegre, poderiam ser criados dois refeitórios, um na zona norte e outro na zona sul, para atendimento exclusivo de policiais em serviço. A gestão destes refeitórios com subsídio do Estado poderia ser da própria Funperacchi.

Em se tratando de saúde creio que a redação do parágrafo anterior não foge ao tema proposto neste artigo, pois, se trata da apresentação de soluções viáveis para melhorar a saúde dos policiais e a infraestrutura de apoio às atividades de polícia, onde o ser humano deveria ser sempre prioridade (grifamos). Não adianta investir somente na compra de viaturas e armamento, se o quartel está em ruínas e o corpo do policial está quebrado física e mentalmente.

Voltando ao PROFISIOPM, a previsão de assistência social é imperativa para prospecção de informações sobre a vida na caserna, dividida com a família em casa, onde a infraestrutura doméstica do policial brasileiro é precária, especialmente no quesito da moradia do PM. Outro problema carente de pesquisa com luzes acadêmicas e compreensão é o elevado número de separações de casais dentro da Corporação e o endividamento dos PMs. As circunstâncias em foco, associadas a outros problemas de saúde mental, pressão social e condição socioeconômica do PM faz a Brigada Militar ter o maior índice de suicídios no Brasil, lamentavelmente.

Assim, a contratação de psicólogos para atuarem no programa decorre do pressuposto que o estresse do trabalho policial militar representa uma sobrecarga adicional em sua mente que, igualmente, precisa de mais atenção e cuidados através de programas regulares de Estado, visando sua boa saúde mental. Neste quesito podemos considerar, inclusive, a introdução de tratamentos alternativos, como por exemplo, das terapias holísticas, reconhecidas pelo SUS (Sistema Único de Saúde), chamadas PICS (Práticas Integrativas e Complementares de Saúde). Entre estas práticas citamos: acupuntura, homeopatia, fitoterapia, meditação, musicoterapia, osteopatia, quiropraxia, reiki, yoga, terapia de florais, etc.

Naturalmente, a constituição de um corpo de profissionais temporários que atuam em complemento ao quadro de saúde orgânico da Brigada Militar, representa um reforço importante para o atendimento de demandas carentes de maior atenção estatal, com apoio indispensável de instituições privadas e do Terceiro Setor, vocacionado para implantação de programas dessa natureza social. Exemplo: Fundação Walter Peracchi de Barcellos.

Ademais, o programa em tela, ao agregar fisioterapeutas, psicólogos, psiquiatras, nutricionistas, assistentes sociais e terapeutas holísticos irá formar uma equipe civil multidisciplinar que prospectará dados científicos sobre a tropa atendida antes, durante e depois do tratamento proposto. Estas informações serão fundamentais para estabelecimento de políticas públicas e uma melhor compreensão dos problemas de saúde que afetam a profissão de Polícia Militar no Brasil.

Aliás, aqui devemos lembrar a necessidade dos Comandos Gerais das Polícias Militares do Brasil, assim como das demais polícias de Estado, providenciar no desenvolvimento de censos internos (grifamos) a serem aplicados entre os policiais ativos e da reserva remunerada, para levantamento de dados sobre a saúde física e mental de toda tropa, trazendo ainda dados sobre as condições socioeconômicas dos policiais militares e civis estaduais brasileiros.

A recente Lei Federal nº 14.531/2023 trata do estabelecimento de diretrizes e ações para enfrentar, urgentemente, a problemática que envolve melhorar a qualidade de vida dos policiais, acostumados a zelar pela vida dos outros, porém, acostumados a sacrificar a própria vida, como são juramentados. A referida lei também enfatiza a necessidade da produção de dados sobre a vida do policial e seu trabalho. Precisamos conhecer o perfil objetivo de quem é o PM hoje. Saber com precisão de um estudo bem embasado, sobre sua saúde física e mental, incluindo condição sócio-econômica.

Neste sentido, a Funperacchi, firmou parceria com o Instituto de pesquisa INDEX, com sede em Porto Alegre (RS), a fim de desenvolver um Censo na Brigada Militar. O INDEX, com 30 anos de atuação no mercado de pesquisas do RS, é dirigido pela socióloga Pricila Arais e seu filho, o cientista político Caco Arais.

O coronel Cláudio dos Santos Feoli, Comandante Geral da Brigada Militar, em reunião com a diretoria da Funperacchi já se pronunciou favorável a pesquisa de dados sobre a saúde da tropa. Esta é uma posição alentadora, pois, permite uma gestão de recursos humanos muito mais produtiva, com melhor resultados para a população do Estado do RS.

Ainda, entre as justificativas que podemos elencar, além daquelas já apresentadas, é assinalar que cuidando com mais atenção do bem-estar e da saúde do soldado de Polícia Militar, principal variável na equação do policiamento ostensivo, garantimos segurança pública de melhor qualidade para todos.

Não podemos continuar olhando o soldado da Brigada Militar, assim como os soldados de todas as Polícias Militares do Brasil, como soldados universais, invencíveis e imortais, como aquele no filme estrelado pelo ator Jean Claude Van Damme, lançado em 1992. Nosso soldado de Polícia Militar é de carne, osso, nervos, músculos e, sangue circulando nas veias. Infelizmente ainda é “irressuscitável”, mortal aos disparos dos bandidos que enfrenta defendendo a Sociedade Brasileira.

O soldado que encontramos patrulhando as ruas nas cidades gaúchas e brasileiras, embora seja universal no atendimento de ocorrências de pequena a grande complexidade, envolvendo desde partos em viaturas ou salvando bebês engasgados, apartando brigas entre casais, doando sangue, prendendo ou caçando bandidos em becos escuros ou brejos encharcados, entre tantas outras nobres missões, deve ser visto como um soldado humano e funcional, capaz de cumprir com boa saúde, sua missão constitucional de garantir a ordem e promover a paz social.

E, este soldado de Polícia Militar funcional devidamente valorizado, nada mais é do que uma mulher ou um homem saudável, bem formado, bem uniformizado e equipado com peças anatômicas de policiamento ostensivo, produzindo segurança pública com qualidade, defendendo com profissionalismo, a vida e o patrimônio do povo brasileiro.

É nosso dever como cidadãos e mais ainda do Estado, garantir aos policiais brasileiros a aplicação da máxima do poeta romano Juvenal, pronunciada numa oração filosófica há 1968 anos: “- Mens sana in corpore sano” – Mente sã em corpo são.

O estudo apresentado foi focado no trabalho de polícia ostensiva e, originalmente, publicado em dezembro de 2022, na edição de número 83 da Revista Unidade, publicação de assuntos técnicos científicos de Polícia Militar, editada há 40 anos por oficiais da Brigada Militar.

A circulação da referida publicação trouxe novas demandas, entre as quais evidenciamos a necessidade de desenvolvermos estudo semelhante, observando os equipamentos de proteção individual utilizados por bombeiros militares de todo Brasil.


A indumentária do bombeiro em combate ao fogo pesa entre 21 e 27 quilos, dependendo dos equipamentos utilizados. Representa peso dobrado ao ser comparado com o equipamento de proteção individual do PM, como observa o tenente-coronel Roger Nardys Vasconcellos, vice-presidente da Associação dos Oficiais da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do RS. Exemplo dessa temática pode ser lido na reportagem do jornal Tribuna do Paraná.

Igualmente, os bombeiros militares, merecem toda nossa atenção e empenho para incluir nos próximos estudos, os efeitos do peso desses equipamentos sobre a sua saúde, impondo-nos também a necessidade de provocar as universidades e a indústria para desenvolverem proteções mais leves, confortáveis, anatômicas e resistentes.

O artigo de fisioterapia focado na atividade de polícia publicado pela revista Unidade também suscitou atenção dos militares estaduais que trabalham embarcados em aeronaves do Batalhão de Aviação da Brigada Militar, principalmente, entre pilotos de helicóptero. O Major Marcelo Medeiros, piloto de helicóptero há 11 anos, relata que sente sua musculatura afetada pela vibração da aeronave, em voo, reportando bastante desconforto no corpo.

A exposição ocupacional recorrente às vibrações pode causar sérios prejuízos a saúde do trabalhador. Essas vibrações levam, no longo prazo, a doenças vasculares, neurológicas e musculares, por isso a importância do uso de equipamentos de proteção individual adequados.

Estes problemas que afetam policiais militares embarcados em viaturas aéreas, igualmente, será objeto de novos estudos de fisioterapia a serem desenvolvidos.

Não descuidaremos de incluir também, nos próximos estudos, os cavalarianos que integram nossos Regimentos de Polícia Montada.

Temos que consolidar, cada dia mais, uma mentalidade para cuidar melhor da saúde de quem nos cuida, desenvolvendo estudos que possam minimizar efeitos danosos ao corpo humano causados pelo uso equipamentos que podem agregar mais tecnologia, conforto e eficiência, assim como estudar com mais atenção, os efeitos das modalidades de policiamento ostensivo sobre o organismo humano.

Por derradeiro, conclamamos o Estado e o Governo constituído, junto com toda sociedade para tomar ciência deste cenário e agir sem demora, no desenvolvimento de ações concretas, como a destinação urgente de orçamentos para preservar o bem-estar, a saúde física e mental dos membros das Polícias e Bombeiros Militares do Brasil, sem descuidar de estender esta atenção, a todos os demais órgãos que constituem o Sistema de Segurança Pública do Estado Brasileiro.

 

¹Aroldo Medina – Tenente-Coronel do Quadro de Oficiais de Estado Maior da Brigada Militar do Estado do RS, Instrutor de História da BM e jornalista Reg. Prof. MT 10391.

²Fernanda Oliveira – Fisioterapeuta Crefito 5 - 372280-F – Gestora de Saúde e Bem-estar da Fundação Walter Peracchi de Barcellos.


Nota editorial: O presente artigo foi publicado pela Revista Unidade, edição 083 de dezembro de 2022, páginas 44 à 55. Seu texto foi revisado e atualizado, em maio de 2023 e enviado para publicação na Revista ESBM, editada pela Associação dos Oficiais da Brigada Militar.

Capa e contra capa da última edição da Revista Unidade


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