Meu aniversário, Pelotas (RS), 1966. |
Madrugada de 31 de março de 1964, minha vó Natália, mãe de
minha mãe, desce a escadaria do sobrado, onde meus pais moravam, em busca de
socorro. A rua que separa Santana do Livramento, no Brasil, de Rivera, no
Uruguai, estava deserta. Minha vó bate na porta dos vizinhos, ninguém responde.
Medo pairava no ar, porém, não no coração de minha vó. Ela estava determinada.
Sai pela rua. Ao longe, vê o vulto de um homem que caminha na rua, serenamente.
Vai resoluta, na direção dele. O contorno do homem é desenhado por uma luz.
Minha vó alcança o homem. Seu coração acelerado descansa
quando seus olhos reconhecem que se trata de um soldado da Brigada Militar. Ela
fala com ele. Em poucos minutos, os passos de ambos, ganham velocidade. Sobem a
escadaria do sobrado, juntos. Abrem a porta e encontram minha mãe se
contorcendo de dor.
Um jipe ganha velocidade na saída de São Gabriel. O carona
sua frio. O motorista está compenetrado na estrada. O motor do utilitário ronca
alto. A escuridão é rompida pelo farol que varre o asfalto. O som da lona
batida pelo vento não incomoda os tripulantes. O silêncio só é interrompido
quando os pneus cantam numa freada brusca. Olhos esbugalhados perscrutam dos
dois lados, dentro do jipe e fora dele, na barreira que tranca a estrada, na
ponte, antes de Rosário.
O soldado e minha vó erguem minha mãe e descem com ela,
amparada em braços fortes. O soldado da Brigada pede a minha mãe e avó que
aguardem um instante. Vai para o meio da rua e aguarda um par de luzes que
avançam rápido pelo paralelepípedo. Com a mão espalmada e braço erguido para o
alto, apita forte e determina que o carro pare. O condutor assustado titubeia
por um instante, antes de entender que seu carro estava sendo requisitado para
prestar socorro a uma mulher em trabalho de parto.
Meu pai, parado na barreira do Exército que bloqueia a
estrada, ouve incrédulo, o sargento explicar que ele deverá retornar a São
Gabriel, para trocar de carro. Jipe não passa por ali. É carro de combate. Meu
pai explica que minha mãe esta prestes a dar a luz. Ouve do sargento, um
respeitoso pedido de desculpas, com a justificativa de que esta ele ali,
cumprindo as ordens recebidas. Meu pai, um autentico homem da campanha, reconhece
a autoridade do militar que esta a sua frente. Da meia volta, retornando a “Terra
dos Marechais”, de onde é natural do distrito do Batovi.
A porta da Santa Casa de Misericórdia de Santana do
Livramento abre depressa. Minha mãe, minha vó e o soldado da Brigada Militar
entram sem barreiras. A equipe é rápida no socorro. Não demora, um médico e sua
valorosa equipe estão na volta de mamãe.
Meu pai de saudosa memória arruma carona numa Kombi e chega,
finalmente, em Santana do Livramento (RS). O relógio marca 17 horas da tarde de
31 de março de 1964. Papai me encontra nos braços de minha mãe que sorri e, me
entrega para ele, ouvindo, emocionado, a história do soldado da Brigada que
escoltou minha chegada neste mundo, com segurança primordial.
Aroldo Medina
Papai e mamãe, Porto Alegre (RS), 1963. |
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