sexta-feira, 15 de maio de 2020

Black Mirror: ficção ou realidade.


Estou frequentando o Curso de Jornalismo da UniRitter, em Porto Alegre. As aulas estão sendo realizadas através de video conferência. A universidade tem excelentes professores e uma infraestrutura muito boa. Estou satisfeito.

Um dos meus professores, Cid Martins, repórter da Rádio Gaúcha e do Jornal Zero Hora, grande mestre que nos ministra a cadeira de Práticas em Jornalismo: Revista; orienta a turma, na produção de uma revista que terá uma versão digital e outra impressa, onde cada aluno foi encarregado de elaborar uma reportagem com pauta livre ligada a redes sociais. O alvo de minha análise foi um episódio da série Black Mirror, veiculada pela Netflix.

Compartilho com os leitores que tiverem a disponibilidade de cinco minutos, a primeira versão do texto produzido, antes da publicação final da revista.

Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Ou não é?!

Grande abraço a todos.

 
Vidrada pelas notas. Ilustração: Butcher Billy.
Viver a espera de likes em cada postagem nas redes sociais, sai das telas do cinema e, entra no cotidiano de milhares de pessoas, transformando ficção científica em realidade líquida presente.

O smartphone tornou-se uma extensão do corpo humano no século XXI. Estar conectado na Internet tem equivalência a uma necessidade primária dos seres humanos nascidos nesse século, incluindo gerações do século XX. Séries de Ficção Científica tem antecipado comportamentos humanos que a psicologia contemporânea já identifica como reais, em nosso cotidiano.
É tão imprescindível viver conectado no século XXI que isso passa a ser uma rotina das pessoas tão comum como comer e dormir. E, a principal tecnologia digital utilizada para conexão com a Internet é o smartphone. Esse comportamento estimula produtores de filmes a anteciparem possíveis cenários futuros, onde os seres humanos tornam-se inseparáveis do seu aparelho de telefone celular e vivem conectados na Internet.


Charlie Brooker

Exemplo dessa conjuntura colhemos em Nosedive (Queda Livre), primeiro episódio da terceira temporada da série de ficção científica Black Mirror, produzida em 2011 pela televisão britânica, criada por Charlie Brooker e veiculada na Netflix, em 2016. Neste episódio, Lacie Pound (Bryce Dallas Howard) vive num mundo onde as pessoas tem o costume de se avaliar o tempo todo, através de um aplicativo no telefone celular, dando uma nota de uma a cinco estrelas, gerando uma pontuação individual. O sistema de avaliação mostrado no filme é semelhante ao que utilizamos hoje, depois de uma viagem de Uber.
Lacie é obcecada por ser bem recebida. Inicia o episódio com nota 4.2. O contrato de locação do imóvel onde mora está terminando e Lacie está ansiosa em mudar-se para um condomínio luxuoso. Porém, só poderá fazer sua mudança de endereço se pagar uma quantia exorbitante que ela não tem ou ganhar um desconto, caso possua avaliação de 4.5 ou acima.

O próprio Brooker diz que embora seja uma série de ficção científica, muitos temas nela inseridos representam um presente alternativo ou um futuro próximo e, em certos casos, retratam a forma como já estamos vivendo agora.
Pensamento análogo ao criador da série tem a psicanalista e escritora paulistana Sílvia Marques, doutora em Comunicação e Semiótica: “- Muitas pessoas acham que Black Mirror é uma série de ficção científica, uma série futurista. Não é. É sobre o nosso mais banal presente. E, esse episódio Nosedive (onde uma jovem se torna impopular na mídia social) retrata muito bem a nossa época. Vaidade, ostentação, narcisismo. E, a ostentação fica mais intensa com as novas tecnologias combinadas com a Internet. Tudo fica potencializado e mais intenso nas redes sociais. Passamos a viver na sociedade do espetáculo”, complementa Silvia Marques citando o escritor francês Guy Debord, autor do livro e do filme A Sociedade do Espetáculo, lançados, respectivamente, em 1967 e 1973.
Guy Debord
O professor universitário Leandro Vieira, do Canal ProEnem da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), concorda com a doutora Sílvia: “- Você se identifica com a série, em muitos momentos e, pensa: puxa eu faço isso”. E, também cita Guy Debord: “- Vivemos sentindo necessidade de aparentar coisas não tão reais, apresentadas como um espetáculo. Por exemplo: você posta uma foto no facebook querendo que as pessoas gostem também, vivendo um espetáculo constante em suas relações”.
De Nosedine, extraímos uma cena que corrobora visão técnica, onde a personagem central Lacie vive obcecada em ser bem avaliada através de um aplicativo em seu smartphone. Ela vai tomar um café. Antes de beber o café, tira uma foto da xícara e, posta na rede social dela. Quando prova o café, não gosta do seu sabor e faz cara feia. Ao afastar a xícara percebe que as pessoas estão curtindo a foto postada e, passa então a curtir o momento virtual, esquecendo da realidade do café ruim.


Zygmunt Bauman

Sílvia Marques e Leandro Vieira na sua avaliação do lugar onde os personagens vivem por likes cinco estrelas, ainda mencionam conceito de vida líquida, ou seja, vida de caráter efêmero, proposto pelo filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925 -2017), publicados no livro de sua autoria, Modernidade Líquida. Thais Lima que mantém um canal no You Tuber, com 24 mil inscritos, também cita Bauman e explica que modernidade líquida é uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante, com uma sucessão de reinícios.
O professor Leandro Vieira fala da vida líquida de Lacie em Black Mirror, dizendo que a personagem vive despreocupada com relacionamentos verdadeiros. Seu interesse é ligado a relacionamentos virtuais que podem gerar uma boa avaliação. Por isso ela vai ao casamento de uma “amiga”, somente em busca de boa nota e, não porque realmente gosta da pessoa com quem vai se encontrar.
A psicanalista Silvia Marques chama atenção na sua análise de Nosedive que Black Mirror é sobre o pior do ser humano, falando das crueldades que podemos cometer por meio da tecnologia associada as redes sociais. Sílvia lembra que a vida de Lacie é obter likes, alertando que a personagem não se importa de verdade com o que as pessoas pensam sobre ela e, traça um paralelo com comportamentos humanos artificiais, presenciados por todos nós, diariamente, em redes como o facebook, onde você posta uma foto só para ganhar curtidas, como destaca Leandro Vieira.
Gabriel Galão, 13 anos, estudante da oitava série do ensino fundamental na Escola Municipal Castelo Branco, em Canoas, depois de assistir Nosedive, afirmou: “- A Internet domina a maioria das pessoas hoje, principalmente os jovens. Tudo o que fazemos no mundo virtual é avaliado por alguém no mundo real. E, as pessoas são julgadas pelas notas que possuem, deixando de ser elas mesmas, em razão do que os outros vão achar delas. Nossa vida hoje é muito Brack Mirror, mesmo”.

Já o professor James Zortea, do Curso de Jornalismo da Unissinos em São Leopoldo (RS), observa que também podemos ver na série Black Mirror um espelho da sociedade que valoriza a velocidade e a técnica. “- As tecnologias costumam avançar rapidamente. Então é imperativo criar regras, pensando em estruturas capazes de lidar com as consequências dos avanços tecnológicos, dando conta dos acidentes gerados”. Zortea ilustra sua visão, citando o filósofo Paul Virilio, pesquisador e autor de vários livros sobre as tecnologias da comunicação, induzindo uma reflexão sobre o quanto vivemos buscando aparelhos e respostas cada vez mais velozes, criando um mundo acelerado, especialmente no plano virtual.


Paul Virilio


Aroldo Medina

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