Estou frequentando o Curso de Jornalismo da UniRitter, em Porto
Alegre. As aulas estão sendo realizadas através de video conferência. A
universidade tem excelentes professores e uma infraestrutura muito boa. Estou
satisfeito.
Um dos meus professores, Cid
Martins, repórter da Rádio Gaúcha e do Jornal Zero Hora, grande mestre
que nos ministra a cadeira de Práticas em Jornalismo: Revista; orienta a turma,
na produção de uma revista que terá uma versão digital e outra impressa, onde
cada aluno foi encarregado de elaborar uma reportagem com pauta livre ligada a
redes sociais. O alvo de minha análise foi um episódio da série Black Mirror,
veiculada pela Netflix.
Compartilho com os leitores que tiverem a disponibilidade de
cinco minutos, a primeira versão do texto produzido, antes da publicação final
da revista.
Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Ou não
é?!
Grande abraço a todos.
Viver a espera de likes em cada postagem
nas redes sociais, sai das telas do cinema e, entra no cotidiano de milhares de
pessoas, transformando ficção científica em realidade líquida presente.
O smartphone tornou-se uma extensão do corpo humano no século
XXI. Estar conectado na Internet tem equivalência a uma necessidade primária
dos seres humanos nascidos nesse século, incluindo gerações do século XX.
Séries de Ficção Científica tem antecipado comportamentos humanos que a
psicologia contemporânea já identifica como reais, em nosso cotidiano.
É tão imprescindível viver conectado no século XXI que isso
passa a ser uma rotina das pessoas tão comum como comer e dormir. E, a
principal tecnologia digital utilizada para conexão com a Internet é o
smartphone. Esse comportamento estimula produtores de filmes a anteciparem
possíveis cenários futuros, onde os seres humanos tornam-se inseparáveis do seu
aparelho de telefone celular e vivem conectados na Internet.
Charlie Brooker |
Exemplo dessa conjuntura colhemos em Nosedive (Queda Livre),
primeiro episódio da terceira temporada da série de ficção científica Black
Mirror, produzida em 2011 pela televisão britânica, criada por Charlie Brooker
e veiculada na Netflix, em 2016. Neste episódio, Lacie
Pound (Bryce Dallas Howard) vive num mundo onde as pessoas tem o costume de se
avaliar o tempo todo, através de um aplicativo no telefone celular, dando uma
nota de uma a cinco estrelas, gerando uma pontuação individual. O sistema de
avaliação mostrado no filme é semelhante ao que utilizamos hoje, depois de uma
viagem de Uber.
Lacie é obcecada por ser bem recebida. Inicia o episódio com
nota 4.2. O contrato de locação do imóvel onde mora está terminando e Lacie
está ansiosa em mudar-se para um condomínio luxuoso. Porém, só poderá fazer sua
mudança de endereço se pagar uma quantia exorbitante que ela não tem ou ganhar
um desconto, caso possua avaliação de 4.5 ou acima.
O próprio Brooker diz que embora seja uma série de ficção
científica, muitos temas nela inseridos representam um presente alternativo ou
um futuro próximo e, em certos casos, retratam a forma como já estamos vivendo
agora.
Pensamento análogo ao criador da série tem a psicanalista e
escritora paulistana Sílvia Marques, doutora em Comunicação e Semiótica: “-
Muitas pessoas acham que Black Mirror é uma série de ficção científica, uma
série futurista. Não é. É sobre o nosso mais banal presente. E, esse episódio
Nosedive (onde uma jovem se torna impopular na mídia social) retrata muito bem
a nossa época. Vaidade, ostentação, narcisismo. E, a ostentação fica mais
intensa com as novas tecnologias combinadas com a Internet. Tudo fica
potencializado e mais intenso nas redes sociais. Passamos a viver na sociedade
do espetáculo”, complementa Silvia Marques citando o escritor francês Guy
Debord, autor do livro e do filme A Sociedade do Espetáculo, lançados,
respectivamente, em 1967 e 1973.
Guy Debord |
De Nosedine, extraímos uma cena que corrobora visão técnica, onde
a personagem central Lacie vive obcecada em ser bem avaliada através de um
aplicativo em seu smartphone. Ela vai tomar um café. Antes de beber o café, tira
uma foto da xícara e, posta na rede social dela. Quando prova o café, não gosta
do seu sabor e faz cara feia. Ao afastar a xícara percebe que as pessoas estão
curtindo a foto postada e, passa então a curtir o momento virtual, esquecendo
da realidade do café ruim.
Zygmunt Bauman |
Sílvia Marques e Leandro Vieira na sua avaliação do lugar onde
os personagens vivem por likes cinco estrelas, ainda mencionam conceito de vida
líquida, ou seja, vida de caráter efêmero, proposto pelo filósofo polonês
Zygmunt Bauman (1925 -2017), publicados no livro de sua autoria, Modernidade Líquida.
Thais Lima que mantém um canal no You Tuber, com 24 mil inscritos, também cita
Bauman e explica que modernidade líquida é uma vida precária, vivida em condições
de incerteza constante, com uma sucessão de reinícios.
O professor Leandro Vieira fala da vida líquida de Lacie em
Black Mirror, dizendo que a personagem vive despreocupada com relacionamentos
verdadeiros. Seu interesse é ligado a relacionamentos virtuais que podem gerar
uma boa avaliação. Por isso ela vai ao casamento de uma “amiga”, somente em
busca de boa nota e, não porque realmente gosta da pessoa com quem vai se
encontrar.
A psicanalista Silvia Marques chama atenção na sua análise de
Nosedive que Black Mirror é sobre o pior do ser humano, falando das crueldades
que podemos cometer por meio da tecnologia associada as redes sociais. Sílvia
lembra que a vida de Lacie é obter likes, alertando que a personagem não se
importa de verdade com o que as pessoas pensam sobre ela e, traça um paralelo
com comportamentos humanos artificiais, presenciados por todos nós, diariamente,
em redes como o facebook, onde você posta uma foto só para ganhar curtidas,
como destaca Leandro Vieira.
Gabriel Galão, 13 anos, estudante da oitava série do ensino
fundamental na Escola Municipal Castelo Branco, em Canoas, depois de assistir
Nosedive, afirmou: “- A Internet domina a maioria das pessoas hoje,
principalmente os jovens. Tudo o que fazemos no mundo virtual é avaliado por
alguém no mundo real. E, as pessoas são julgadas pelas notas que possuem,
deixando de ser elas mesmas, em razão do que os outros vão achar delas. Nossa
vida hoje é muito Brack Mirror, mesmo”.
Já o professor James Zortea, do Curso de Jornalismo da Unissinos
em São Leopoldo (RS), observa que também podemos ver na série Black Mirror um espelho
da sociedade que valoriza a velocidade e a técnica. “- As tecnologias costumam
avançar rapidamente. Então é imperativo criar regras, pensando em estruturas
capazes de lidar com as consequências dos avanços tecnológicos, dando conta dos
acidentes gerados”. Zortea ilustra sua visão, citando o filósofo Paul Virilio,
pesquisador e autor de vários livros sobre as tecnologias da comunicação,
induzindo uma reflexão sobre o quanto vivemos buscando aparelhos e respostas
cada vez mais velozes, criando um mundo acelerado, especialmente no plano
virtual.
Aroldo Medina
Paul Virilio |
Aroldo Medina