Aroldo Medina¹
Fernanda Oliveira²
Resumo: O presente artigo
chama a atenção dos gestores de segurança pública para os problemas de saúde
causados pelo peso dos equipamentos de proteção e defesa pessoal que compõe a
indumentária do policial militar, durante a execução do policiamento ostensivo.
O peso carregado por esse profissional é de dez quilos, em média, ao longo do
seu turno de trabalho que varia de seis a doze horas, multiplicado pelo número
de anos de serviço. O artigo propõe, ainda, o desenvolvimento e implantação de
um programa de tratamento fisioterapêutico das sequelas causadas por estes
equipamentos sobrepostos ao corpo humano, no próprio batalhão onde trabalham os
policiais ou mesmo em uma nova e moderna clínica de fisioterapia a ser
instalada. O texto é oriundo de reflexões sobre as relações de trabalho
policial e saúde dos policiais, proveniente de análise da vivência do autor, auxiliado
pelo conhecimento técnico da autora. O estudo se baseou, também, numa pesquisa
de campo realizada em uma unidade operacional da Brigada Militar, onde os
problemas de saúde foram constatados por acadêmicos do Curso de Fisioterapia de
uma Universidade local, após avaliarem 50 policiais militares, num universo de
220 indivíduos.
Palavras-chave: peso,
equipamentos portáteis, policiamento ostensivo, sobrepeso, fisioterapia, saúde
e bem-estar.
Estamos acostumados a
observar policiais militares no serviço de policiamento ostensivo carregando uma
série de equipamentos. Estes equipamentos portáteis individuais sofrem a ação
da gravidade do planeta Terra que acelera todos os objetos dentro da nossa
órbita, a 9,8 metros por segundo ao quadrado. O que pouca gente calcula é que
colete de proteção balística, cinto de guarnição, pistola TS9, munição 9 mm,
carregadores, bastão policial, algema, espargidor de gás, rádio transmissor
portátil, na influência dessa gravidade pesam, em média, dez quilos e, se
formos acrescentar ainda nesta lista, um fuzil T4 e sua munição 556 nato serão
mais quatro quilos, totalizando 14,544 quilos (Tabela 1).
São dez quilos de
equipamentos durante um turno de serviço regular que varia de seis a doze
horas, dependendo da modalidade de policiamento ostensivo que pode ser à pé, à
cavalo ou motorizado. E, há situações especiais em que este turno de serviço
pode ser de 24 horas, como por exemplo, no emprego de tropas em operações
especiais.
Outro efetivo policial militar
que sofre muito as consequências da carga sobre o corpo humano no serviço de
policiamento ostensivo, são os motociclistas. Além dos equipamentos
anteriormente listados, temos o indispensável uso do capacete, associado à
postura de pilotagem. Este capacete pesa, em média, um quilo e meio. Esse peso
combinado com a postura inadequada do PM enquanto conduz a moto, gera uma série
de problemas de saúde ligados principalmente ao sistema locomotor humano.
Numa conversa com a tropa
quando o assunto é a ação da gravidade dos equipamentos de policiamento
ostensivo sobre o corpo humano e o número de horas que eles ficam “em cima” do
policial, vamos constatar que esse peso parecerá maior, na medida em que as
horas forem passando. E essa sensação de maior peso não é “mola do PM”, como
poderia ser dito em jargão policial. Ela é real, pois, a carga fica incidindo
sobre a fibra do músculo que, sobrecarregado gera uma sensação de maior peso e,
consequente dor.
O uso continuado desses equipamentos,
combinado com a idade do PM, multiplicado pelo número de horas e anos de
serviço, naturalmente vão afetar, indefectivelmente, o corpo físico do policial
militar. E, não podemos esquecer que não são só algumas horas diárias
carregando o peso dos equipamentos em questão. São anos a fio de sobrecarga
(equipamentos) e sobrepeso (peso do próprio corpo).
Tabela 1 - Peso de
equipamentos de policiamento ostensivo individual
|
Material
|
Peso em Kg
|
Quantidade
|
01
|
Algemas
|
0,320
|
01
|
02
|
Bastão
policial BPE 61
|
0,600
|
01
|
03
|
Capacete
|
1,500
|
01
|
04
|
Carregador
.556 nato
|
0,250
|
01
|
05
|
Carregador
TS9
|
0,300
|
03
|
06
|
Cinto
de guarnição
|
1,100
|
01
|
07
|
Colete
balístico
|
3,000
|
01
|
08
|
Coturno
|
1,100
|
01
|
09
|
Espargidor
GL 108 mini
|
0,150
|
01
|
10
|
Fuzil
T4
|
3,400
|
01
|
11
|
Munição
.556 nato
|
0,640
|
90
|
12
|
Munição
9 mm
|
0,495
|
52
|
13
|
Pistola
TS 9
|
0,742
|
01
|
14
|
Rádio
HT
|
0,347
|
01
|
|
|
|
|
|
Total
|
14,544
|
|
Obs. O peso dos equipamentos
pode variar de acordo com a marca e o modelo.
A Constituição Federal em
vigor determina que um policial militar trabalhe 35 anos no serviço ativo, para
conquistar sua merecida reserva remunerada. Se sobreviver e chegar até lá,
precisamos agir para que não chegue ao final da sua carreira, com o seu corpo doente,
cheio de sequelas decorrentes do exercício da sua difícil profissão.
Quando um policial relata
que o peso dos seus equipamentos parece aumentar na medida em que o seu relógio
registra o passar das horas, ele já está sentindo a ação de um mecanismo
silencioso de possíveis lesões em curso. E, considerando ainda a falta de
exercícios físicos para reforço muscular, o sedentarismo policial militar,
combinado com alimentação inadequada, causa fraqueza muscular e deixa todo
sistema locomotor humano mais vulnerável a lesões.
O conjunto dessas lesões associadas
ao sobrepeso que acometem policiais militares no serviço de policiamento
ostensivo é grande. Entre elas registramos tendinites, hiperlordose lombar ou
cervical, hipercifose torácica, escoliose, lombociatalgia, artrose, além de
outros problemas de saúde. Essas lesões são consequência, reafirmamos, da
combinação da carga dos equipamentos portáteis individuais de POLOST, com
excesso de peso corporal que afeta a maioria dos policiais militares de
serviço.
Aliás é oportuno programar uma
verificação do peso dos policiais onde vamos constatar que a maioria está mesmo
acima do seu peso ideal, com IMC (índice de massa corporal) alterado. Esse
excesso de peso acelera e agrava a problemática de saúde ligada às articulações
e outros órgãos do ser humano em estudo.
Corroborando estas
assertivas é importante registrar que durante os meses de abril e maio de 2022,
vivenciamos um estágio de campo ligado ao nono semestre do Curso de
Fisioterapia da Faculdade Anhanguera de Porto Alegre. Este estágio
supervisionado de 120 horas foi realizado no 21° Batalhão de Polícia Militar,
localizado no bairro Restinga, em Porto Alegre (RS).
Nesse batalhão da Brigada
Militar, um grupo de alunos do Curso de Fisioterapia desenvolveu um trabalho de
avaliação física e postural dos policiais militares aplicando os Protocolos
DIPA (Digital Image Based Postural Assessment), como metodologia de avaliação
da coluna vertebral e FMS (Funcional Movement Screen), que avalia a qualidade
do movimento e do controle motor. Os alunos constataram através destas
ferramentas que a totalidade dos militares avaliados apresentou algum tipo de
problema de saúde relacionado a sua coluna vertebral, musculatura e
articulações.
No entanto, esse trabalho se
limitou a identificar a patologia apresentada pelos policiais inscritos na
referida pesquisa de campo, não oferecendo tratamento aos problemas de saúde
constatados. Esta delimitação do estudo em tela, causou frustração aos PMs
que manifestavam expectativa em fazer o tratamento dos seus problemas de saúde
na própria unidade operacional onde serviam (grifo nosso).
Entre os policiais atendidos
neste estágio realizado no 21° BPM, onde todos apresentaram algum tipo de
problema tratável com fisioterapia, foi observado que 60% ignoravam o seu
problema de saúde. O restante do efetivo que demonstrou conhecimento prévio
sobre o diagnóstico confirmado, afirmou que tratavam regularmente suas dores no
corpo, com analgésicos, piorando, sem saber, sua saúde. Foram analisados 50
policiais militares, num universo de 220 indivíduos.
Outra constatação feita durante
este estudo de caso foi que muitos policiais militares adiavam o seu tratamento
de saúde, mesmo sabendo que podiam estar lesionados, em função de dores
sentidas pelo corpo, porque se afastando da atividade de policiamento
ostensivo, seu vencimento seria menor, em função da perda de gratificações,
como etapas de alimentação, por exemplo.
Também é lógico admitir que,
mais cedo ou mais tarde, os soldados avaliados no estudo realizado no 21° BPM
teriam que se ausentar das suas funções, para tratamento de saúde. Este
afastamento onera o Estado com as despesas decorrentes e diminui, obviamente, o
efetivo disponível para o policiamento ostensivo.
Por isso um programa de
prevenção e tratamento focado nesta problemática de saúde é plenamente
justificável em todos os sentidos. Principalmente pela promoção da saúde e bem-estar
do policial militar, combinada com economia de recursos que representa, além da
presumível prestação de serviço de policiamento ostensivo com melhor qualidade.
Assim observou-se a
necessidade de desenvolvimento imediato de um programa focado na promoção, prevenção
e tratamento fisioterapêutico de policiais militares, acometidos por problemas de
saúde causados pela carga de equipamentos próprios da sua indumentária, durante
a realização do policiamento ostensivo.
Outro eixo de resposta a
esta problemática que poderá ser aberto, oportunamente, é com os fabricantes
destes equipamentos para que pesquisem e desenvolvam produtos tipicamente de
polícia mais funcionais, melhor adaptáveis e ajustáveis a anatomia do corpo humano.
Neste sentido, incluímos, especialmente, coletes balísticos anatômicos e
coturnos mais leves, ortopédicos e resistentes.
Aliás, quando se trata de
equipamentos de proteção individual os editais de licitação da administração
pública precisam priorizar a aquisição de produtos que agreguem mais tecnologia
e cuidados com a saúde humana, com eficiência e eficácia comprovada para a
função a que se destina, não necessariamente as mercadorias mais baratas.
Desta forma foi apresentado
à Fundação Walter Peracchi de Barcellos, ligada à Brigada Militar, projeto de
implantação de um programa de tratamento fisioterapêutico focado em problemas
de saúde decorrentes da atividade de Polícia Militar ostensiva. Este programa
foi denominado PROFISIOPM. Adotou-se como base a expertise do estudo realizado
no 21° BPM.
O presidente dessa fundação,
Roberto Alexandre dos Santos, aprovou a iniciativa, destacando a missão
institucional e estatutária da Funperacchi em apoiar propostas de melhoria da
qualidade de saúde e bem-estar físico e mental dos membros da Brigada Militar
do Estado do Rio Grande do Sul. Salientou, ainda, a importância de estender o
programa para outros órgãos que compõe o Sistema de Segurança Pública
Brasileiro, após sua consolidação na Brigada Militar.
Na sequência, o tenente-coronel
Alexander Pereira Cardozo, enquanto exercia o comando do 1° BPM, outrora
comandante do 21° BPM, durante a realização do referido estágio de
fisioterapia, foi convidado a desenvolver o programa em tela, visando o
tratamento fisioterapêutico de tropas da Brigada Militar, baseando seu funcionamento,
no quartel do 1° BPM, localizado no bairro Menino Deus, em Porto Alegre.
O tenente-coronel Alexander avalizou
o projeto que foi despachado com o Comandante-Geral da BM, coronel Cláudio dos
Santos Feoli, ao lado do coronel Régis Reche, Diretor de Saúde da Brigada
Militar que incentivaram o desenvolvimento do PROFISIOPM (Programa de
Tratamento Fisioterapêutico Policial Militar), para promoção, prevenção e tratamento
de saúde em campo, preferencialmente na própria OPM onde trabalha o policial, objetivando
melhorar o bem-estar dos PMs empregados no policiamento ostensivo.
O coronel Feoli asseverou,
ainda, que todo comandante de unidade operacional da Brigada Militar tem o
dever moral e institucional de zelar pelo bem-estar da tropa, garantindo as
melhores condições de trabalho possíveis ao seu efetivo.
O coronel Régis Reche, por
sua vez, destacou que o serviço de saúde militar tem se aperfeiçoado
constantemente e que aprova o engajamento de quadros de saúde temporários ou
mesmo complementares ao quadro orgânico da BM, para ampliar e melhorar a
qualidade de atendimento fisioterapêutico, assim como em outras modalidades de
atendimento à saúde.
O Comando do 1º BPM trouxe,
ainda, mais duas variáveis importantes para compor a abordagem da problemática
da saúde dos policiais militares, afetada pelo peso dos equipamentos em
questão. O tenente-coronel Alexander entende que a geografia do terreno onde o
soldado atua também interfere na tensão sobre o sistema locomotor do policial.
Condições geográficas mais íngremes expõem as articulações do militar a uma
probabilidade maior de lesões, como por exemplo, entorses ou mesmo contraturas
musculares. O terreno acidentado aumenta sua vulnerabilidade com a carga dos
equipamentos e o sobrepeso corporal do PM. O 1º BPM tem um relevo com morros e
colinas, com locais mais acidentados do que o 21º BPM que atua,
predominantemente, numa planície.
Nesta equação que estamos
formulando sobre uma cultura organizacional de policiamento ostensivo vigente
na Brigada Militar, há 20 anos, devemos lembrar ainda que o treinamento físico
da tropa ficou em segundo plano, desde a introdução do direito de pagamento de
horas-extras para o efetivo de serviço, previsto na Constituição de 1989 do
Estado do RS, com regulamentação definida através da Lei 11.650/2001 e do Decreto
nº 40.986/2001.
A carga horária estatutária de
40 horas semanais, desde então é prioritariamente consumida no policiamento
ostensivo e no trabalho administrativo essencial. Hoje, fica a critério do
próprio PM, fazer ou não, educação física, salvo raras exceções em que sua OPM
consegue propiciar uma ginástica administrativa para oportunizar exercícios
físicos, sob o comando de um instrutor, em horário de expediente regulamentar.
Como resultado da diminuição
da educação física ou mesmo sua ausência nas atividades da tropa, antes
regularmente praticada, de duas a três vezes por semana, levou ao
enfraquecimento da musculatura dos brigadianos, tornando-a mais frágil e
exposta a lesões. E, também não podemos esquecer que a falta de exercícios
físicos resulta em problemas decorrentes do sedentarismo, tais como: diabete,
pressão alta, colesterol elevado, estresse, depressão, síndromes e transtornos.
Outra variável apontada pelo
Comandante do 1º BPM que afeta diretamente o trabalho e a saúde do policial
militar é o acentuado nível de violência registrado na área de responsabilidade
territorial do batalhão. Somente no ano de 2022 ocorreram 17 óbitos de
indivíduos que entraram em confronto armado contra militares do 1º BPM. Fato
que expõe a saúde mental destes policiais, submetendo-os a sequelas
psicológicas que podem resultar destes confrontos, necessitando, portanto,
tratamento.
Nas deliberações de
planejamento estratégico do programa, inicialmente, optou-se por sua instalação
no quartel do 1° BPM, a fim de facilitar o acesso dos PMs ao tratamento
proposto, considerando o resultado de uma pesquisa online feita através de um
questionário virtual Google Forms realizada entre as praças do 1° BPM, onde foi
constatado que 89,6% do efetivo (Tabela 2) acharia bom para sua Corporação o
tratamento de fisioterapia, se fosse realizado no próprio batalhão.
Chegou a ser selecionada uma
grande sala no 1º BPM, para ser equipada com modernos aparelhos de fisioterapia,
após o prédio ser devidamente reformado. No local iriam trabalhar seis
fisioterapeutas atendendo em dois turnos, integrantes do 1° e 9° BPM, assim
como policiais de outras unidades operacionais da BM, sediadas de Porto Alegre,
inscritos no programa.
Porém, a necessidade de
realizar uma reforma de grandes proporções, no prédio do 1° BPM, com duração de
12 meses, levou a Fundação Walter Peracchi de Barcellos a propor um novo local,
para implantação do PROFISIOPM. Desta forma, a nova proposta é instalar uma moderna
Clínica de Fisioterapia permanente, sob gestão da Funperacchi, especializada na
promoção, prevenção e tratamento de sequelas decorrentes do exercício da
atividade de policiamento ostensivo.
O novo local escolhido é um
imóvel próprio da Brigada Militar que se encontra desocupado há mais de dez
anos, na rua Sete de Setembro, n° 360, bairro Centro de Porto Alegre, situado ao
lado da atual sede da Funperacchi que planeja transformar o prédio num Centro
de Valorização da Vida Policial Militar (grifamos), inclusive, com a
organização de atendimento psicológico e psiquiátrico, oferecendo também
terapias holísticas.
O imóvel indicado para
instalação da nova clínica também necessita de reformas. Porém, enquanto é
reformado, a Associação dos Oficiais da Brigada Militar, presidida pelo Coronel
Marcos Paulo Beck, sensível à necessidade de ativação do serviço
fisioterapêutico proposto, procurado pela Fundação Walter Peracchi de
Barcellos, autorizou junto com sua Diretoria, a instalação temporária do
PROFISIOPM, na sede da própria AsOfBM, em espaço que será adaptado para o
funcionamento do programa pioneiro.
A atual sede própria da
Associação dos Oficiais da BM está localizada em frente ao Hospital da Brigada
Militar de Porto Alegre. Portanto, é um local estratégico para ativação do novo
serviço de fisioterapia policial militar, até que as obras sejam concluídas na
rua Sete de Setembro, nº 360, Centro Histórico de Porto Alegre, onde a clínica
será instalada, definitivamente, dentro de 18 meses.
O PROFISIOPM, em
desenvolvimento, após a ativação da fisioterapia, também prevê a contratação de
psicólogos, psiquiatras, nutricionistas, assistentes sociais e terapeutas holísticos
para apoiar os policiais militares que desejarem tratamento e orientações
complementares que auxiliem no seu rendimento profissional e bem-estar pessoal.
Será o PROPSICOPM.
Observando o público-alvo do
projeto, constata-se que a alimentação da tropa também precisa ser reprogramada,
pois, uma das causas da obesidade de PMs é a nutrição inadequada, com refeições
realizadas, predominantemente, em fast foods.
Dentro deste contexto,
trazemos para o registro histórico que a Brigada Militar tinha refeitórios nos
quartéis, até o final da década de 90, quando a alimentação era mais nutritiva.
Com a extinção dos refeitórios e o pagamento de “etapas de alimentação” pelo
Governo do Estado, a tropa incorporou a vantagem alimentícia ao vencimento,
deixando de se alimentar adequadamente.
Digno assinalar que nos
refeitórios outrora existentes nos quartéis, a tropa se reunia, diariamente,
três vezes, ao redor da mesa, para tomar seu café da manhã, almoçar e jantar,
em ambiente, normalmente, tranquilo. Nestes encontros, os policiais militares
confraternizavam entre si, conversando sobre o trabalho e outros assuntos de
interesse do grupo, criando laços de família.
A extinção dos refeitórios,
lamentavelmente, também chegou às escolas de formação de oficiais e praças de
Polícia Militar no RS, obrigando alunos em regime de estudo integral, a
apelarem para armazenamento inadequado de comida em armários ou mesmo mochilas.
Bolachinhas, biscoitos, refrigerantes e cachorro-quente substituíram refeições
mais dignas, passando a ser rotina na vida dos futuros policiais em formação
nestas escolas.
Importante observar que as
escolas de formação policial militar no RS foram “cercadas” por vendedores
ambulantes de lanches rápidos. Indispensável aqui uma conclusão óbvia: o corpo humano
bem alimentado tem mais energia e, regularmente exercitado é mais forte e menos
susceptível a doenças e traumas. Mal alimentados os soldados são, naturalmente,
mais fracos.
Isto nos leva a propor ao
Executivo Estadual e a própria Assembleia Legislativa do Estado do RS a recriar
refeitórios, no mínimo, nas escolas de formação de oficiais e praças da BM,
começando pela criação de um refeitório integrado, no complexo do Departamento
de Ensino da Brigada Militar, em Porto Alegre, onde temos formação regular para
carreira de nível médio e superior da Corporação.
Também podemos pensar em
refeitórios que integrem as tropas militares estaduais, podendo incluir o
atendimento a policiais civis e penais. No caso de Porto Alegre, poderiam ser
criados dois refeitórios, um na zona norte e outro na zona sul, para
atendimento exclusivo de policiais em serviço. A gestão destes refeitórios com
subsídio do Estado poderia ser da própria Funperacchi.
Em se tratando de saúde
creio que a redação do parágrafo anterior não foge ao tema proposto neste
artigo, pois, se trata da apresentação de soluções viáveis para melhorar a saúde
dos policiais e a infraestrutura de apoio às atividades de polícia, onde o ser
humano deveria ser sempre prioridade (grifamos). Não adianta investir
somente na compra de viaturas e armamento, se o quartel está em ruínas e o
corpo do policial está quebrado física e mentalmente.
Voltando ao PROFISIOPM, a
previsão de assistência social é imperativa para prospecção de informações
sobre a vida na caserna, dividida com a família em casa, onde a infraestrutura
doméstica do policial brasileiro é precária, especialmente no quesito da
moradia do PM. Outro problema carente de pesquisa com luzes acadêmicas e
compreensão é o elevado número de separações de casais dentro da Corporação e o
endividamento dos PMs. As circunstâncias em foco, associadas a outros problemas
de saúde mental, pressão social e condição socioeconômica do PM faz a Brigada
Militar ter o maior índice de suicídios no Brasil, lamentavelmente.
Assim, a contratação de psicólogos
para atuarem no programa decorre do pressuposto que o estresse do trabalho
policial militar representa uma sobrecarga adicional em sua mente que,
igualmente, precisa de mais atenção e cuidados através de programas regulares de
Estado, visando sua boa saúde mental. Neste quesito podemos considerar,
inclusive, a introdução de tratamentos alternativos, como por exemplo, das terapias
holísticas, reconhecidas pelo SUS (Sistema Único de Saúde), chamadas PICS
(Práticas Integrativas e Complementares de Saúde). Entre estas práticas
citamos: acupuntura, homeopatia, fitoterapia, meditação, musicoterapia,
osteopatia, quiropraxia, reiki, yoga, terapia de florais, etc.
Naturalmente, a constituição
de um corpo de profissionais temporários que atuam em complemento ao quadro de
saúde orgânico da Brigada Militar, representa um reforço importante para o
atendimento de demandas carentes de maior atenção estatal, com apoio
indispensável de instituições privadas e do Terceiro Setor, vocacionado para
implantação de programas dessa natureza social. Exemplo: Fundação Walter
Peracchi de Barcellos.
Ademais, o programa em tela,
ao agregar fisioterapeutas, psicólogos, psiquiatras, nutricionistas, assistentes
sociais e terapeutas holísticos irá formar uma equipe civil multidisciplinar
que prospectará dados científicos sobre a tropa atendida antes, durante e
depois do tratamento proposto. Estas informações serão fundamentais para estabelecimento
de políticas públicas e uma melhor compreensão dos problemas de saúde que
afetam a profissão de Polícia Militar no Brasil.
Aliás, aqui devemos lembrar
a necessidade dos Comandos Gerais das Polícias Militares do Brasil, assim como
das demais polícias de Estado, providenciar no desenvolvimento de censos
internos (grifamos) a serem aplicados entre os policiais ativos e da
reserva remunerada, para levantamento de dados sobre a saúde física e mental de
toda tropa, trazendo ainda dados sobre as condições socioeconômicas dos
policiais militares e civis estaduais brasileiros.
A recente Lei Federal nº
14.531/2023 trata do estabelecimento de diretrizes e ações para enfrentar,
urgentemente, a problemática que envolve melhorar a qualidade de vida dos
policiais, acostumados a zelar pela vida dos outros, porém, acostumados a
sacrificar a própria vida, como são juramentados. A referida lei também
enfatiza a necessidade da produção de dados sobre a vida do policial e seu
trabalho. Precisamos conhecer o perfil objetivo de quem é o PM hoje. Saber com
precisão de um estudo bem embasado, sobre sua saúde física e mental, incluindo
condição sócio-econômica.
Neste sentido, a
Funperacchi, firmou parceria com o Instituto de pesquisa INDEX, com sede em
Porto Alegre (RS), a fim de desenvolver um Censo na Brigada Militar. O INDEX,
com 30 anos de atuação no mercado de pesquisas do RS, é dirigido pela socióloga
Pricila Arais e seu filho, o cientista político Caco Arais.
O coronel Cláudio dos Santos
Feoli, Comandante Geral da Brigada Militar, em reunião com a diretoria da
Funperacchi já se pronunciou favorável a pesquisa de dados sobre a saúde da
tropa. Esta é uma posição alentadora, pois, permite uma gestão de recursos
humanos muito mais produtiva, com melhor resultados para a população do Estado
do RS.
Ainda, entre as
justificativas que podemos elencar, além daquelas já apresentadas, é assinalar
que cuidando com mais atenção do bem-estar e da saúde do soldado de Polícia
Militar, principal variável na equação do policiamento ostensivo, garantimos
segurança pública de melhor qualidade para todos.
Não podemos continuar olhando
o soldado da Brigada Militar, assim como os soldados de todas as Polícias
Militares do Brasil, como soldados universais, invencíveis e imortais, como
aquele no filme estrelado pelo ator Jean Claude Van Damme, lançado em 1992. Nosso
soldado de Polícia Militar é de carne, osso, nervos, músculos e, sangue
circulando nas veias. Infelizmente ainda é “irressuscitável”, mortal aos disparos
dos bandidos que enfrenta defendendo a Sociedade Brasileira.
O soldado que encontramos
patrulhando as ruas nas cidades gaúchas e brasileiras, embora seja universal no
atendimento de ocorrências de pequena a grande complexidade, envolvendo desde
partos em viaturas ou salvando bebês engasgados, apartando brigas entre casais,
doando sangue, prendendo ou caçando bandidos em becos escuros ou brejos
encharcados, entre tantas outras nobres missões, deve ser visto como um soldado
humano e funcional, capaz de cumprir com boa saúde, sua missão constitucional
de garantir a ordem e promover a paz social.
E, este soldado de Polícia
Militar funcional devidamente valorizado, nada mais é do que uma mulher ou um
homem saudável, bem formado, bem uniformizado e equipado com peças anatômicas
de policiamento ostensivo, produzindo segurança pública com qualidade,
defendendo com profissionalismo, a vida e o patrimônio do povo brasileiro.
É nosso dever como cidadãos
e mais ainda do Estado, garantir aos policiais brasileiros a aplicação da
máxima do poeta romano Juvenal, pronunciada numa oração filosófica há 1968
anos: “- Mens sana in corpore sano” –
Mente sã em corpo são.
O estudo apresentado foi
focado no trabalho de polícia ostensiva e, originalmente, publicado em dezembro
de 2022, na edição de número 83 da Revista Unidade, publicação de assuntos
técnicos científicos de Polícia Militar, editada há 40 anos por oficiais da
Brigada Militar.
A circulação da referida
publicação trouxe novas demandas, entre as quais evidenciamos a necessidade de
desenvolvermos estudo semelhante, observando os equipamentos de proteção
individual utilizados por bombeiros militares de todo Brasil.
A indumentária do bombeiro
em combate ao fogo pesa entre 21 e 27 quilos, dependendo dos equipamentos
utilizados. Representa peso dobrado ao ser comparado com o equipamento de
proteção individual do PM, como observa o tenente-coronel Roger Nardys
Vasconcellos, vice-presidente da Associação dos Oficiais da Brigada Militar e
do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do RS. Exemplo dessa temática pode ser lido na reportagem do jornal Tribuna do Paraná.
Igualmente, os bombeiros
militares, merecem toda nossa atenção e empenho para incluir nos próximos
estudos, os efeitos do peso desses equipamentos sobre a sua saúde, impondo-nos
também a necessidade de provocar as universidades e a indústria para
desenvolverem proteções mais leves, confortáveis, anatômicas e resistentes.
O artigo de fisioterapia
focado na atividade de polícia publicado pela revista Unidade também suscitou
atenção dos militares estaduais que trabalham embarcados em aeronaves do
Batalhão de Aviação da Brigada Militar, principalmente, entre pilotos de
helicóptero. O Major Marcelo Medeiros, piloto de helicóptero há 11 anos, relata
que sente sua musculatura afetada pela vibração da aeronave, em voo, reportando
bastante desconforto no corpo.
A exposição ocupacional
recorrente às vibrações pode causar sérios prejuízos a saúde do trabalhador.
Essas vibrações levam, no longo prazo, a doenças vasculares, neurológicas e
musculares, por isso a importância do uso de equipamentos de proteção
individual adequados.
Estes problemas que afetam
policiais militares embarcados em viaturas aéreas, igualmente, será objeto de
novos estudos de fisioterapia a serem desenvolvidos.
Não descuidaremos de incluir
também, nos próximos estudos, os cavalarianos que integram nossos Regimentos de
Polícia Montada.
Temos que consolidar, cada
dia mais, uma mentalidade para cuidar melhor da saúde de quem nos cuida,
desenvolvendo estudos que possam minimizar efeitos danosos ao corpo humano
causados pelo uso equipamentos que podem agregar mais tecnologia, conforto e
eficiência, assim como estudar com mais atenção, os efeitos das modalidades de
policiamento ostensivo sobre o organismo humano.
Por derradeiro, conclamamos o
Estado e o Governo constituído, junto com toda sociedade para tomar ciência
deste cenário e agir sem demora, no desenvolvimento de ações concretas, como a destinação
urgente de orçamentos para preservar o bem-estar, a saúde física e mental dos
membros das Polícias e Bombeiros Militares do Brasil, sem descuidar de estender
esta atenção, a todos os demais órgãos que constituem o Sistema de Segurança
Pública do Estado Brasileiro.
¹Aroldo
Medina – Tenente-Coronel do Quadro de Oficiais de Estado Maior
da Brigada Militar do Estado do RS, Instrutor de História da BM e jornalista Reg. Prof. MT 10391.
²Fernanda
Oliveira – Fisioterapeuta Crefito 5 - 372280-F – Gestora de Saúde
e Bem-estar da Fundação Walter Peracchi de Barcellos.
Nota editorial: O presente artigo foi publicado pela Revista Unidade, edição 083 de dezembro de 2022, páginas 44 à 55. Seu texto foi revisado e atualizado, em maio de 2023 e enviado para publicação na Revista ESBM, editada pela Associação dos Oficiais da Brigada Militar.
Capa e contra capa da última edição da Revista Unidade