domingo, 24 de janeiro de 2010

Que Defesa Civil o RS necessita


A reportagem de Itamar Melo e Marcelo Gonzatto publicada hoje em Zero Hora é muito precisa.

Trabalhei quatro anos na Defesa Civil do Estado do RS, no período de 2003 à 2006, à convite do governador Germano Rigotto.

Foi uma experiência ímpar. Conheci dezenas de municípios na hora mais difícil quando eram atingidos por desastres naturais. Éramos 31 policiais militares designados para essa missão. Podíamos ser 50 e, ainda assim, teríamos muito trabalho a fazer.

O papel da Defesa Civil do Estado é socorrer as populações atingidas por desastres naturais ou causados pelo próprio homem. É ela que deve coordenar o trabalho de socorro as vítimas e mobilizar todos os meios necessários para que este socorro seja pronto e rápido.

A Defesa Civil do Estado deve atuar em parceria com a Defesa Civil do município, se ela existir e a própria Defesa Civil Nacional. Outros atores que são indispensáveis no teatro de operações de socorro as vitimas de desastres são as prefeituras e os corpos de bombeiros locais.

As memórias que tenho desse período são inúmeras. O assunto é amplo e complexo. Melhor seria escrever um livro. Mas vou abordar neste momento, o que acho mais útil para colaborar com essa pauta de ZH.

O Fundo Estadual de Defesa Civil já deveria existir há muito tempo no RS. Na gestão da qual participei, tentamos criá-lo mais de uma vez. O último processo para constituí-lo ainda deve estar aberto. Fomos vencidos. Não conseguimos fazê-lo. Gestões anteriores também tentaram, ao que sabemos, mas também falharam. A atual gestão, provavelmente, também não mudará esta triste história.

Como se pode deduzir então, fazer Defesa Civil sem orçamento é uma fábula. O lead da matéria escrita por Itamar Melo e Marcelo Gonzatto é uma realidade bem concreta: "Falta de dinheiro para ações preventivas, equipamentos precários e amadorismo expõe o país a prejuízos e mortes frente a inundações, deslizamentos e vendavais".

A criação de novas regionais da Defesa Civil, no interior do RS, é outra história antiga, assim como a idéia de criar o Centro de Estudos e Pesquisa de Desastres, em nosso Estado. Como o Fundo Estadual de Defesa Civil, só devem sair do papel quando tivermos um astronauta, em Marte.

Gostaria de estar errado nesse prognóstico. Mas o histórico dessas iniciativas, atesta constantes protelações, escrevendo uma história de dúvidas, incertezas e ironias.

Certa ocasião, convenci o chefe da Casa Militar, coronel Reuvaldo Vasconcelos de me deixar ir a Brasília para tentar uma emenda de bancada, objetivando destinar recursos para estruturarmos melhor a Defesa Civil do RS. Arrojado, o coronel Vasconcelos me autorizou.

Em Brasília, no Congresso Nacional, em 2005, fui de porta em porta. Percorri gabinete por gabinete de nossa bancada gaúcha, com 31 deputados federais. Falei com 30 deles, mais nossos três senadores, Simon, Paim e Zambiazi. Só não fui recebido pela deputada Maria do Rosário, embora tenha sido super bem recebido pelo pessoal do seu gabinete.

Cézar Schirmer (PMDB), Onyx Lorenzoni (PFL), Orlando Desconsi (PT), Beto Albuquerque (PSB), Wilson Signatti (PMDB), Júlio Redecker (PSDB), Luciana Genro (PSOL), Adão Pretto (PT), Luis Carlos Heinze (PP), Pompeo de Matos (PDT), são alguns de nossos deputados que empenharam-se com destaque para referendar uma emenda de bancada destinando recursos a nossa Defesa Civil Estadual, inclusive, num ano que sofremos muito com uma estiagem prolongada.

A emenda ao orçamento da União foi aprovada pela nossa bancada, por maioria absoluta, embora, na ocasião, o deputado Darcísio Perondi (PMDB) se empenhasse para barrá-la. Chegamos até mesmo a bater boca numa reunião de deputados, eu defendendo a emenda e ele, propondo sua retirada. O deputado Beto que coordenava a reunião da bancada nesta ocasião, entrou em campo, dividiu a bola e, aprovou a emenda, para o bem dos gaúchos.

Esta emenda chegou a R$ 40 milhões de reais, na comissão mista do orçamento da União. O dinheiro seria investido na compra de camionetas especiais, tipo pick up, equipadas, inclusive com estações meteorológicas portáteis, para a Defesa Civil do Estado do RS, caminhões pipa, rádios transmissores de alta potência, radares e estações agro-metereológicas automáticas, com funcionamento via-sattélite e obras de combate a seca.

Mas o deputado Perondi, enfiou-se na comissão mista, representando a bancada gaúcha e soterrou este projeto. Estaríamos hoje, num outro patamar de estrutura de Defesa Civil no RS, não fosse mais esse final infeliz.

Uma obra da qual me orgulho é ter constituído a atual página da Defesa Civil de nosso Estado e ter colocado sua memória sob a proteção da PROCERGS, para não ser deletada, como praxis, no final de governos. Até assumirmos a Defesa Civil no Governo Rigotto, a Defesa Civil não tinha memória. Havia se perdido.

Avalisado pelo governador, levei para trabalhar comigo na Defesa Civil, Alexandre dos Santos Willand, soldado da BM, desenvolvimentista de software, Marco Ariel Nunes Gonçalves, cabo da BM, Gilnei Bueno, sargento da BM e, o capitão Ilson Krigger, qualificadíssimos policiais militares. Em parceria com a PROCERGS, através da sua equipe de governo eletrônico, desenvolvemos um banco de dados "on line" sobre desastres naturais no RS e uma página de Internet, cuja organização chamou atenção do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Cinco cientistas do INPE vieram a Porto Alegre para conhecer nosso trabalho, no final de 2006, a fim de desenvolver um Sistema Nacional de Controle de Desastres. Mas o governo Rigotto já estava no fim, a governadora Yeda assume e, como de fato não participamos de sua campanha, fomos todos exonerados. Assim, nossa participação no projeto de desenvolvimento desse sistema que começávamos embalar, em parceria com o INPE, foi também enterrado.

Essas, são apenas algumas memórias de nosso trabalho na Defesa Civil do Estado do RS, entre muitas outras em que atuamos, como por exemplo: a criação por decreto estadual, de um uniforme regional de Defesa Civil, em setembro de 2003; o ciclone Catarina que atingiu Torres, em 2004; o enfrentamento de tremores de terra em Nova Prata e Caxias do Sul, em 2005; vistoria in loco de mais de mil propriedades rurais atingidas por desastres, localizadas em mais de 300 municípios, sempre acompanhados pelos aguerridos e qualificadíssimos técnicos da EMATER (2004/2005); escorregamento de Morro, em Arroio do Padre, município de Itati; constituição de uma força tarefa para administrar as consequências do desastre ambiental ocorrido no rio dos Sinos, em outubro de 2006, etc.

Sonho com o dia de uma Defesa Civil mais equipada, qualificada, com orçamento, pessoal qualificado e treinado constantemente, como lemos na reportagem sobre a Protezione Civile Nazionale, exemplar organização italiana. O povo brasileiro merece e tem esse direito.

Major Aroldo Medina.

Uniforme de Defesa Civil, referencial teórico.

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