domingo, 15 de abril de 2012

São homens ou feras.


Ano: 1997. Batalhão de Polícia de Choque da Brigada Militar, capital do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. A tarde estava ensolarada. Mais uma rebelião eclodiu no Presídio Central de Porto Alegre. Os soldados dormem ao lado do Central porque seu quartel é vizinho. Rapidamente estão fardados e equipados até os dentes, para intervir com escudos, cassetetes, bombas de gás, munição não letal e balas mortíferas.

Chega ao comando do Choque, na ocasião, a informação de que um soldado PM da guarda do presídio foi morto por um detento. Os ânimos se acirram. Gritos de guerra retumbam no ar. A formação de combate está pronta. O primeiro pelotão de prontidão rompe marcha. Acelerado, avança. Olhos esbugalhados faiscavam no gradil das janelas da prisão.

A distância entre a cadeia e o quartel é percorrida pela tropa, a pé. O coração dos soldados estufa no peito, em ritmo de combate. O caminho do inferno se abre. O clima de primavera desaparece, no fumo da batalha iminente. A figura do tenente-coronel, comandante do Batalhão de Choque, surge imponente no corredor da morte que se anuncia. A marcha dos guerreiros é interrompida pelo tenente que comanda o pelotão de combate, desviando os soldados para o auditório do presídio. O clima fica tenso, entre os dois oficiais. Um quer usar o argumento da força, imediato. O outro, a força do argumento e da fé. O tenente deixa o oficial superior estupefato e se comunica com o seu pelotão.

“- Soldados! Não viemos aqui vingar a morte do nosso irmão, morto nesta casa obscurecida pela falta da luz da educação moral e espiritual. Não somos vingadores de iniquidades, nem defensores de maldades. Antes de entrar no inferno que estão estas galerias, vamos orar. Orar a plenos pulmões, pedindo à Deus que nos proteja e nos abençoe nesta jornada, onde vamos agir como pacificadores. Lugar onde vamos agir como soldados da lei e da ordem, defensores da Justiça, sem ódio ou rancores. Não vamos hoje escrever outro massacre do Carandiru. Oremos aqui e agora pela família do soldado morto e pela alma desses moribundos que vamos salvar. Aqueles que forem cristãos deem as mãos e orem comigo: Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome...”

Incrédulos, os soldados me olhavam. Alguns balbuciavam a oração e outros permaneciam calados. Rezei até o final, a primeira oração. Concitei os homens que comandava para rezarmos mais um Pai Nosso, o último, pensando em Jesus ao nosso lado e em nossas famílias, orando com fé e a coragem própria de homens livres. Os soldados rezaram e, desta vez, iluminados, rezaram com força. A oração ecoou no Presídio Central de Porto Alegre. Na medida em que rezávamos, as galerias silenciavam.

Ao término da segunda oração, ordenei: “- Sigam-me homens da lei e da ordem. Sigam-me soldados da democracia e da paz. Sigam-me homens de Deus”. Os soldados me seguiram em silêncio. Determinei a abertura do grande portão de ferro que nos separava dos presos que nos olhavam, inertes e calados. Perguntei aos detentos quem era o seu líder, pedindo que viesse à frente. Houve hesitação. Repeti convicto que gostaria de falar com o líder, ele então se apresentou. Pedi que solicitasse aos demais, para rumarem ao pátio da cadeia, onde seriam revistados. O líder de porte avantajado me analisou e, por fim disse, batendo palmas, enquanto falava: “- Aí pessoal. Ouviram a ordem do tenente, vamos todo mundo pro pátio”. A massa humana começou a se movimentar lenta e silenciosamente, na direção indicada.

Com duas orações pacificamos o Central, naquele dia. E ainda constatamos que lá não havia somente homens tratados como feras. Lá ainda existiam centenas de homens com dignidade espiritual. Nunca imaginei que o Choque da BM fosse me ensinar tanto sobre a vida.

Creio que o Central de Porto Alegre deva ter o mesmo destino do Carandiru (SP, 2002) e do Frei Caneca (RJ, 2003/2010), virar pó, com centenas de quilos de dinamite. O barril de pólvora que viraram os velhos grandes presídios do Brasil pelo histórico abandono e a superlotação devem dar lugar a novos presídios menores, modernos, com educação moral, cívica e espiritual, de administração pública e também privada, muito mais econômicos e úteis à sociedade.

Major Aroldo Medina

Nota: a foto que ilustra a postagem é de policiamento na Feira do Livro de Porto Alegre, tarefa amena, comparada a operação de polícia ostensiva dentro de um presídio.

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